Abaixo publicamos a entrevista do
professor da Universidade do Rio de Janeiro Helder Molina concedida ao jornal
Folha Dirigida sobre valorização dos trabalhadores da escola pública. Confira:
Folha Dirigida: Qual análise o senhor faz das
greves e paralisações feitas pelos professores no Brasil?
Helder Molina: Quando os
trabalhadores da educação entram em greve é porque já se esgotaram todos os
espaços de mediação, os canais de negociação já estão totalmente obstruídos
pela intransigência dos governos. Nenhum trabalhador ou trabalhadora gosta de
fazer greve, ela é uma medida extrema. Uma greve desgasta todos que vivem e
precisam da escola. Os alunos, os pais, a comunidade, o currículo, o
desenvolvimento das atividades pedagógicas, a produção do conhecimento, o
planejamento didático, as férias, enfim. Mas a verdade é que, se os professores
e funcionários de escola não fazem greve, suas vozes não são ouvidas, suas
reivindicações não são seque conhecidas pela sociedade e reconhecidas pelos
governos.
Vivemos uma crescente e degradante
precarização das condições de trabalho e de salário, principalmente na escola
pública. Mas de metade dos professores e funcionários trabalham com contratos
temporários, vivem em situação de precarização, são garantias de salários,
direitos fundamentais, como férias, 13o terceiro, aposentadoria, previdência,
etc. Uma nova escravidão, de salários indignos e condições degradantes de
trabalho.
Vejam as condições das escolas, a
situação das salas de aulas, faltam equipamentos, materiais. Os concursos
públicos são cada vez mais demorados, e só existem a custa de muitas lutas,
denúncias, mobilizações dos próprios professores e funcionários. E os
concursados ficam meses, até anos, aguardando para serem convocados, e quando
são, já praticamente duplicou, ou triplicou, a falta de profissionais, e
novamente os governos buscam o "exército intelectual de reserva",
isto é, uma enorme quantidade de profissionais que se subordinam a trabalhar
por condições precárias e contratos temporários. Por isso todo ano tem que
fazer campanha salarial, mobilização, passeatas, paralizações, greves. A
terceirização, precarização, degradação dos direitos, desvio e má gestão dos
recursos, e abandono da escola, este é o retrato da escola, o quadro tétrico
que temos que, infelizmente, apresentar no dia do professor. A educação como
prioridade é uma demagogia barata nas bocas dos candidatos e governantes. A
verdade é que a escola pública ainda resiste porque os trabalhadores que nela
estão são convocados, dia apos dia, a resistir e defendê-la.
Hoje a educação é tratada como
mercadoria, há uma crescente mercantilização do ensino. A escola privada é um
grande negócio de empresários, e a escola pública, na visão empresarial, deve
ser gerida baseada na meritocracia, produtivismo, mercantilismo, e outros ismos
do neoliberalismo
F.D: Fazer greve todo ano, no Brasil,
já faz parte do calendário das redes públicas? Pode ter virado uma questão
cultural?
H.M: Não se trata de uma questão
cultural, se trata de uma luta por direitos, de um grito dos profissionais da
escola. A escola pública é uma conquista da sociedade democrática, da luta
contra o elitismo que impera na nossa cultura. Uma conquista de muitos
movimentos, dos sindicatos, da cidadania democrática, das organizações
populares, dos partidos progressistas. O povo precisa da escola pública, os
trabalhadores só terão acesso ao conhecimento, à ciência, à tecnologia, se
existir a escola pública, seja ela fundamental, média ou superior. Os ricos não
precisam da escola pública, eles já têm acesso aos bens culturais e
educacionais, produzidos pela divisão de classes, pela segmentação dos lucros,
pelo acesso ao Estado, enfim.
Não há um calendário dizendo que tem
greve anotada na agenda, quem diz isso são os sacerdotes da privataria, os
intelectuais que defendem a escola como mercado e a educação como mercadoria.
Todos os anos nos planejamos para dar o melhor de nós, produzir boas aulas,
fazer o melhor para nossos alunos, desenvolver conhecimentos, enfim. Mas,
vejam os salários dos professores e professoras? Vejam os salários dos
profissionais de apoio?
Acha que dá apara viver com essa
miséria no final do mês? ter que trabalhar em três ou quatro escolas, para
poder pagar as contas no final do mês de trabalho? Como se qualificar?
trabalhando em tantos lugares, parecendo mascates, peregrinos andarilhos, de
ônibus, de trem, de carona, pagando de seu próprio bolso, pois os penduricalhos
que pagam como benefício mal dá para pegar ônibus, muitas viajam de carona, ou
mesmo a pé.
Dá para falar em questão cultural?
quem diz isso não conhece o cotidiano de quem vivem com R$ 800, 00, R$ 900,00
por mês. Nenhum profissional merece condição tão degradante, sem falar no
assédio moral, no adoecimento psíquico, na depressão, insônia, angústia por ver
a situação da escola como está, na violência que cerca a escola, e a invade e a
domina?
F. D: Por que estes movimentos ainda
são tão ineficazes e pouco rentáveis?
H. M: Depende do ponto de vista que
se olha. Como disse anteriormente, só existe escola pública porque milhares de
profissionais se dedicam a ela, e não é só pelo salário, é pela ideologia da
defesa do público, pelo compromisso da garantia do espaço de produção do
conhecimento útil aos trabalhadores, aos pobres, único espaço onde os pobres
podem sonhar em serem sujeitos, terem futuro.
Pensemos sinceramente: há futuro para
os pobres, para os excluídos, se deixam de existir a escola pública? E não se
trata de pensar que as greves sejam rentáveis, se trata de lutar pela
sobrevivência material, mais que isso, de garantir que o conhecimento, a
ciência, a tecnologia seja protagonizada pelos trabalhadores.
E verdade que as greves se arrastam,
pois os governos viram as costas, greve de educadores não mexe na taxa de
lucros, não produz mais valia, enfim, não se trata de um setor produtivo, do
ponto de vista de mercadorias, como uma fábrica, um banco, enfim. Mas se tratam
de um setor extremamente importante para a democracia, a cidadania, os direitos
sociais.
São eficazes porque denuncia os
descasos, os desrespeitos, a escravidão vivida pelos profissionais de apoio, e
pelos educadores, nas injustas e indignas condições de vida e de trabalho. Do
ponto de vista do mercado, rentável é taxa de juros altos, financeirização da
educação, vender ações nas bolsas de valores, trocar professor de carne e osso,
por televisão, aulas à distância, tutoria, etc. Não produzimos para o mercado,
produzimos para a sociedade, para os setores mais marginalizados, mais
abandonados pelo Estado oficial e pela lógica econômica da eficácia e da
eficiência.
F. D: A sociedade ainda é insensível
às causas da educação e dos professores?
H.M: Há uma espécie de
anestesiamento social, de individualismo, de domínio da lógica do consumo, do
que vale é o indivíduo, o mérito individual, cada um por si. A lógica da
competição, do mercado, do lucro. Vale mais o ter do que o ser. O direito à
propriedade está acima do direito à vida. Um banqueiro que lucra 1 bilhão de
reais, com juros altos, câmbio e bolsa de valores, não é criminoso, mas um sem
teto que pede esmolas na porta de um banco é preso como perigo à propriedade
privada e à riqueza individual.
Daí se explica o desprezo pelo
público, pelo coletivo, um esvaziamento da esfera pública, a morte da política
como bem comum, com vontade geral. Quem pode, paga escola particular, quem não
pode, que suporte a degradante escola pública. Greve? coisa de preguiçosos,
baderneiros, vagabundos, quem mandou escolher ser professor? O desdém e o
desprezo com a "rés” pública, isto é, com a coisa púbica, são grandes
aliados da privatização e do elitismo, e da exclusão.
F. D: O senhor acha que os alunos são
mesmo os grandes prejudicados nesta queda de braço entre professores e o poder
público?
H.M: Não vejo como
queda de braços, vejo como uma luta justa por direitos. os alunos são muito
mais prejudicados pela falta de professores, pela carência de material, pela
degradante condição física da escola atual,, É degradada pela violência, pelo
desemprego, miséria social ausência de políticas pública, enfim. Os
professores e os alunos não são inimigos, são aliados, parceiros, na defesa da
escola pública, inimigos são os que a querem privatizar, ou simplesmente
destruí-las, tornar uma escola pobre para os pobres, e outra escola rica, para
os ricos, aprofundando o dualismo educacional.
O poder público, com a lógica
privatista, é o grande inimigo da escola pública, da universidade pública, veja
o caso da UERJ, onde mais de 50% dos professores são precarizados, com
contratos de seis meses, sem direito a pesquisa, sem carreira, sem dignidade
profissional, não podem sequer votar nas questões que decidem os destinos de
universidade onde trabalham, isso não é uma nova forma de escravidão?
escravidão neoliberal, fica bonito falar desse jeito pós moderno
F. D: Estamos atrasados nas nossas
demandas, e também nas formas de reivindicação?
H.M: Existem muitas
formas de lutas, como abaixo assinados, internet, festivais, corridas.
passeatas, enfim. Mas a greve ainda é fundamental, não perdeu a validade, e só
nela, infelizmente, saímos da invisibilidade, do ostracismo, sem gritar,
morremos, matam-nos a voz, depois a alma, depois podem fechar a escola. Nossa
alma está no nosso trabalho, nele nos identificamos.
Produzimos nossas vidas, somos dignos
pelo nosso trabalho, amamos ser professores, trabalhamos com a produção do
conhecimento, com a produção de subjetividade, sensibilidade, buscamos produzir
a solidariedade, a troca que gera vida, quer sentido melhor? semear
solidariedade, para gerar vida plena?
F. D: É possível fazer um paralelo
entre as ações sindicais no Brasil e no exterior?
H.M: Sim, os trabalhadores continuam lutando, as crises são dos ricos, dos patrões, dos banqueiros, dos governos que gastam o dinheiro público para salvar e aumentar riquezas privadas, e querem que nós paguemos a conta. Os trabalhadores da educação lutam no Brasil, na América Latina, no mundo, em defesa do direito à educação, pela manutenção da escola pública, dos direitos sociais, dos direitos humanos, enfim, da vida. Só a vida se ela for partilhada. Somos trabalhadores da vida partilhada.
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